Sunday, October 24, 2010

Acordou às seis da manhã com insônia. Pensou que preferia ter acordado às quatro. Sentou no sofá da sala. Olheira nos olhos. Ligou a televisão. Um pastor falava sobre Rute e Emanuel. Apertou o botão para mudar o canal em menos de dois segundos. A pilha do controle tinha acabado. Teve preguiça de procurar outra pilha. Mas que merda - falou baixinho. Deixou a televisão ligada com a voz do pastor invadindo suas entranhas. Levantou-se, foi até a cozinha.

"O louvado senhor está dentro de vocês. Assim como quando Cain e Abel tiveram suas amarguras, nós, aqui sentados, procuramos a saída para estes espinhos cravados em nossos corações. Essas rosas que não conseguem brotar..."

Pensava na noite anterior. Copos de vinho quebrados, louça suja na pia, um bouquet de rosas enfeitando a janela. Pensava em olhos. Olhos apavorados. Um rosto boquiaberto. Um tapa masculino, preconceituoso. E ela caindo ao chão, sem palavras, sem gestos. Apenas seu corpo surrado e abatido. Sangue. Carne. Um vestido branco.

"Reneguem o demônio, meus filhos. Essa criatura que trás desavença, que trás miséria. Deus não quer ceder misericórdia. Deus quer juízo na cabeça de seus filhos."

De dentro, sente um calor e uma raiva tremenda subindo pelas pernas, tomando conta de seu coração e bufando por suas narinas. Subitamente, ela agarra o vaso de rosas vermelhas e arremessa à televisão com um grito e uma lágrima.

O silêncio. Quanto vale o silêncio quando o tormento paira no ar?