Saturday, March 7, 2009

Adeus.

Roberto usava um terno social pois tinha acabado de voltar do trabalho. Estava molhado, pois a chuva era tão forte que atrapalhava até mesmo os que tinham carro. Tinha recebido uma ligação aquela tarde. Esperava por ela há sete anos. Já em casa, percebeu que era o momento de ele entrar por aquela porta cor de vinho e dizer à ela o que sentia, finalmente.
-Eu nunca gostei de você.
-O quê?
-Fiquei por que devia. Era minha solução para fugir do mundo e de mim mesmo. Você era algo totalmente diferente do que sou e era disso que eu precisava.
(Marilu era uma mulher linda, com lábios carnudos e pernas salientes e morenas. Tinha medo do abandonamento e era bipolar e depressiva).
-Roberto, para com isso. Você adora fazer piadas sem graça.
-Não é piada, Marilu. Dessa vez não é.
-O teu tom de voz...
-Você sabia que esse dia chegaria. Sabia que eu nunca te amei. E eu entendo teu lado, Marilu. Todo mundo têm o coração na mão um dia. Eu sei...
-Não, você não tem idéia, Roberto.
(Os olhos de Marilu se enchiam de lágrimas agora, mas o soluço continha-se. Ela sentou-se no sofá sem encosto de cor bege e pôs a cabeça para baixo. Roberto se aproximou da porta.)
-Eu tenho que ir. Meus livros eu busco depois. Não queima nenhum deles, por favor.
-Roberto, pelo amor de Deus...
-Esse não é meu lugar. Você sabe disso, você sabe que nunca foi e que um dia isso tudo aconteceria. Não sabia?
-Porque você tem que fazer isso comigo hoje, Roberto? E a tua sensibilidade?
-Eu não escolhi o dia pra vomitar meus sentimentos.
-Você esperou sete anos pra me abandonar e faz isso no nosso aniversário? Então é isso que durou? Sete anos? Posso fechar a conta e mandá-la pra tua nova casa?
-Não durou sete anos, Marilu. Não durou nem um segundo. Você sabe quem- o que- eu quero.
-É alguém, né?
-Não... Sim.
-Sempre foi?
-Não...
-Sempre foi, Roberto?
-Sim.
-Então vai.
-Marilu...
-Vai embora e me deixa sozinha com meu pranto.
-Eu queria poder explic...
-VAI EMBORA.
-Eu busco meus livros semana que vem.
(A porta tinha sido cerrada. No fundo do apartamento, "A Outra" tocava na radiola e Marilu tratou de não chorar, limpando as lágrimas anteriores. Levantou-se com seu salto preto e sua roupa vermelha que tinha comprado para a ocasião, soltou os cabelos negros amarrados em um coque e dirigiu-se à janela. Olhou para fora como se o mundo fosse asqueroso e não aguentou muito tempo ali. Foi até a sala, ascendeu as chamas da lareira, se dirigiu até a estantes de livros, pegou um Gabeira, um Fante, um Goethe e lentamente, como alguém que matasse um amor com uma faca de aço, colocou página por página entre as labaredas de fogo fraco. Marilu aumentou o fogo, se aproximando cada vez mais. Já não se importava em deixar o braço cada vez mais perto do fogo. Quando tocava "... que não demora pra essa dor sangrar", Marilu se posionou levemente dentro da lareira, e não se preocupou em chorar. As chamas secavam suas lágrimas.)

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